terça-feira, 15 de janeiro de 2013

amores de navio

Para ouvir junto: http://www.youtube.com/watch?v=pnxRvHKjC3Y


Era uma meia-noite típica de inverno no nordeste do Brasil. A chuva e o vapor quente se uniam e formavam camadas de gripe nas ruas.
O carro dos meus pais cantava pneus pelas ruas escorregadias da cidade.
Os moradores de rua acomodavam-se nas calçadas de lojas, sob papelões e, provavelmente, batendo os dentes de tanto frio.
Eu, como sempre, sentado no banco traseiro, com o pensamento na lua.
Na lua?
Pois, sim.
Você mudou de nome, me informaram.
Enquanto tocava nossa música na rádio, minha mãe cantarolava, tudo errado, e gritava no refrão.
Ainda faltavam alguns quilômetros para chegarmos em casa, quando, de repente, lembrei de que nós, também, cantávamos aquela música de uma forma bem errada e bonitinha.
Era legal de se ver.
Nossos amigos sempre diziam.
Mas, como já diziam os personagens de A culpa é das estrelas, o mundo não é uma fábrica de desejos.
Você se foi, com toda a sua parafernália sentimental, e eu fiquei a ver navios.
Antes, eu viajaria até de canoa pelos oceanos que penetravam os seus olhos. Agora, nem alcançar um bote salva-vidas eu consigo.
Todas as coisas, ditas ou não ditas, viraram parte do passado.
Tentando não olhar mais pra trás, coloquei um CD pra tocar.
Era a coisa mais animadinha que havia no porta-malas, mas, mesmo assim, não me transformou em um carnaval.
Dentro e fora de mim, as gotas de chuva e as lágrimas ainda se confundiam.
Foi um triste fim de um lindo começo.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

aulas de matemática

''Se dois mais dois são quatro,''- escreveu ela- ''quantos são um mais um?''
''Somos só nós dois.''

confissões de fim de tarde

Eu gostava dele, e disso todo mundo sabia.
Era um gostar que se limitava ao simples significado do verbo.
Gostava no infinitivo.
Gostava do mesmo jeito que gostava de sentir o vento no rosto e de beber suco de uva num fim de tarde quente. Da mesma forma que gostava de subir em árvores, mas não sabia descer delas. Do mesmo jeito que amava escrever mas nunca era lida.
Não grudaria meus lábios nos dele, não trocaria saliva, não deixaria que ele entrasse por completo em mim nem que as notas de seu violão ficassem pairando nos meus tímpanos. Mas eu gostava dele.
Gostava quando o som de sua voz ficava ecoando no ar, na sala meio iluminada, meio escura. Gostava de como falava baixo, como era paciente e de como seus cabelos pareciam mudar de cor, conforme a luz. Gostava de vê-lo tocando violão, seu braço balançando pra cima e pra baixo, enquanto seus dedos, já machucados, despedaçavam-se mais ainda, roçando as cordas de aço do violão.
Gostava, sobretudo, dele.
Mas isso era uma completo segredo. Nem eu sabia disso.
Nem eu, nem meu coração, nem a minha mente.
Por outros lados de mim, haviam pedaços de célula, quase mortos, que imploravam que eu me desse conta da verdade.
Mas eu nunca saberia.
Morreria sem saber, e, por não saber, morreria.

domingo, 13 de janeiro de 2013

família

Nunca imaginei que começaria algum texto meu desta forma, mas vamos lá: eu nãos sei por onde começar. 
Comecemos do meio, então.
Vou contar-lhes a história pela qual eu me baseei para escrever isto aqui. 

Era dia 12 de janeiro de 2013, e há pouquíssimo tempo eu havia completado meus tão almejados 13 anos. 
Estávamos todos almoçando em família,  na minha humilde residência, todo mundo feliz, comendo e conversando, conversando e comendo.
Eu estava radiante. 
E eis que uma hora eu precisei de algo que estava dentro do meu quarto, e fui lá pegar.
Já ouviram falar naquela história de ''sem querer querendo''? Pois, sim. Ouvi uma conversa, por trás da porta entreaberta, que me queimou inteira por dentro. Me destruiu. 
Pra ser sincera, só ouvi algumas migalhas da conversa, que aparentava estar rolando já há bastante tempo. 
Três primos. 
Falando >de< mim. No meu aniversário. Na minha festa. Na minha casa. No meu quarto. Na minha cama. Respirando o meu ar. 
Não vou contar detalhes, porque, sinceramente, eu não ouvi direito, mas era sobre mim, sim. E sobre a minha mãe.
Acontece que, eu tenho algumas pinturas, que eu mesma fiz, espalhadas pelo meu quarto.
Umas, dão certo. Outras... Bem. Nem tanto.
Tem uma lua, em especial, que eu pintei em uma das portas do meu guarda-roupas, que eles estavam dizendo que eu havia pintado pensando em minha mãe.
Como se, por exemplo: ''as duas são feias''. 
Não. 
A pintura, sim.
Minha mãe, não.
Minha mãe é, de perto e de longe, uma das pessoas mais bonitas que eu conheço. Do tipo de beleza especial - que não acaba quando se tira a maquiagem. 
Cof. Cof. Cof. 
Essas duas primas minhas, não possuem essa beleza especial. 
Que pena.
Beleza especial, que eu digo: beleza interior e exterior. 
Mas enfim. 
Uma hora, não aguentei mais esperar na porta, mesmo que tenham sido apenas alguns segundos, e abri a porta.
Arregalaram os olhos.
Os três.
''Falem mais alto!'' - meu primo falou.
''Ma... ma...mas...s...masss...'' - gaguejaram, assumindo a culpa.
Bati a porta do quarto e saí.
Eu me senti levando uma facada nas costas.
Senti, sim. 
E isso não me tirou apenas sangue, mas lágrimas. 
Me sentei ao lado da minha vó e chorei.
Chorei muito.
Não apenas pelos comentários ridículos, nem pela falsidade, mas porque eu percebi, naquele momento, o quanto eu queria que algumas pessoas estivessem ali. 
Cantaram os ''parabéns'', e eu chorando.
Depois, saíram desculpas esfarrapadas. Como sempre. 

Família. 
Sabem o que 'família' significa pra mim?
Uma base de confiança, amor. 
Não é só sangue correndo nas veias. É mais que isso.
Se você  não possui o mesmo sangue da família, com o tempo, amor e carinho, começa a ser considerado da família. 
Meus melhores amigos são todos da minha família. E todo o mundo sabe disso.
Família é confiança, amor. Família é o que transforma um almoço simples de sábado em uma grande festa. Família é aquela que te apoia e te entende. Ou se não te apoia, nem entende, ao menos aceita. E torce pela sua felicidade. 
Nesse momento, depois de tanto choro e de tanto sentimento ruim, eu digo, com todas as letras: minha família sou eu quem escolho.
O meu sangue, não. 
Mas, usando de um argumento um tanto próprio e trágico: quando o meu sangue parar de fluir nas veias, quando o meu coração parar de bater e os meus pulmões pararem de funcionar, quando minha pele esfriar e meus olhos se fecharem por completo, não será o sangue, nem os presentes, nem a árvore genealógica que fará alguém sentir falta de mim. Não serão isso tudo e mais algumas que farão com que eu, de algum lugar no infinito, brilhe pra cada uma das pessoas que quero bem. 
Será o amor que essas pessoas me deram, voltando, em forma de estrela, pra elas. 
E eu. 
Uns pedacinhos de mim, triturados pelo universo, pela dor que senti ao morrer, voltando em outras formas.
Outras formas de amor. 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

invisível aos olhos


sou o que inexiste
a dor em tua face
gente que cala outra gente
a boca que grita

sou o invisível
a poeira dos teus livros
o brilho dos teus olhos
a flor em teu jardim

sou o imperceptível
o ácaro que te incomoda
o parasita que lhe suja o sangue
a chuva que te resfria

sou o que sou
e mesmo não sendo ninguém
luto pra chegar
além
de você.

para(noia)

Debaixo de teus cachos
mergulhada num mundo à parte
me sinto
num infinito particular.

Debaixo das tuas pernas
pintando uma aquarela
vejo o mundo
azul e branco.

Por cima das tuas palavras
existe um paraíso
ao qual posso
recorrer.

Por cima da tua mente
eu não minto
porque você é
a mais verdadeira
do mundo.

De lado
com um peixe na boca
montada num tubarão
eu viajo
do céu
ao chão.

De outro lado
te vejo provando meu fogo,
debaixo
do mar.