domingo, 23 de junho de 2013

don't try

sento-me diante de um muro de concreto
corto minha pele com lápis de ponta fina
vejo as palavras escorrerem para dentro
o sangue acelerar aqui por perto.

escrever é masoquismo.

eu escrevo porque preciso
escrevo porque o mar lembra seus olhos
escrevo porque meus olhos se enchem de lágrimas
escrevo porque amo sem querer ser dois
porque as palavras me pegam por trás
não vejo saída
e as tuas ruas
cruas
não me bastam.

eu sento torta num canto da cama
apoio a perna em um banco
pinto as unhas de vermelho
e penso na cor do sangue
que posso escrever um poema com sangue
assim como com esmalte
carvão
folha de árvore, saliva, caneta vencida
e escrevo.

escrevo até meus dedos doerem
minha mão tremer
visão embaçar
palavras sem sentido surgirem
e escrevo sem parar.

continuo a escrever
mesmo que a tinta seja invisível
mesmo que não haja caneta, papel ou computador
mesmo que ninguém leia;
e mesmo que eu não escreva,
as minhas palavras estão ali.

minha mente nasceu programada pra isso
aos cinco anos eu já fazia trocadilhos com palavras das minhas tias
e os escondiam.
hoje em dia,
minhas tias é que se escondem de mim.

vou te ensinar a jogar esse jogo, beibe
tudo vai surgir
vai fluir
e vai doer
doer muito
você vai sentir como se agulhas te furassem
e às vezes ficará sem sensibilidade
o sangue endurecido num canto do papel
as palavras te olhando de lado
e você vai sofrer vendo aquilo
que é seu
tão fora de si.

escrevemos porque precisamos
escrevemos porque dói
escrevemos porque as palavras nos entalam
nos engasgam, abocanham
escrevemos porque a poesia nos come por trás
escrevemos porque é o nosso ar
escrevemos porque o nosso peito precisa pular pra fora.

escrevo porque viver é isso.

santinha do pau oco

Ajoelhou.
E não foi pra rezar...

sábado, 22 de junho de 2013

e isso ainda é o primeiro capítulo

Hoje eu vou cair na estrada
só com uma calcinha na bolsa
uma foto em P&B do Bukowski
e um CD que só tenha músicas maravilhosas.

verei o asfalto seguir em frente
linha branca que não se curva
nuvens trocando de lado
as cores vacilando
e você estará ao meu lado
nossos pés calçados
com sandálias de dedo.

tudo caberá como num quebra-cabeça
debaixo de uma cabana montada
à beira da estrada;
o resto não passa
da passagem.

vento bagunçando os seus cabelos
equilibristas de meio-fio
o amor nos fazendo música
nossa casa feita de lençóis
aquele nosso submundo
nosso plural tão certo quanto o horizonte.

tudo estará perfeito
uma calcinha secando no varal.

sinto algo dentro de mim
uma vida que chuta
sentimentos que afloram
como as lágrimas inundam
e olho pro lado e quem deveria estar lá
dorme
milhões de quilômetros.

domingo, 16 de junho de 2013

please

Descalça, ando pela rua molhada
meu peito já sujo pela noite.

Não há mais ninguém como eu
o tim-tim das garrafas
cacos pelo chão
gritos saídos de bocas apodrecidas
homens perdidos.

Mais parece uma estufa
o vapor e a escuridão se unem atrás de mim
corro o mais rápido que consigo
não basta.

Estou perdida
é uma vida sem fim
olho para todos os lados
ele já está  aqui
vamos lá, beibe, 
venha até aqui!

Dedos percorrem caminhos mapiados
a frieza dos dentes
a força das unhas.

Grito
e ele não sai
de mim.


sábado, 15 de junho de 2013

Há fumaça por onde ando
asfalto manchado de sangue
gente sem rosto
gente com cartaz
gente que grita
gente que chora
e gente que se acha mais gente que todo o mundo.

Por essas terras onde caminho,
balas são lançadas contra multidões
enquanto, contra os outros,
só temos flores, voz e papel.

Meus melhores amigos não escondem o rosto
em seus olhos eu vejo brilho de revolução
e tenho certeza que um dia seremos mais
que matérias no jornal;
Entraremos pros livros de História
seus filhos aprenderão sobre nós
e ficarão tristes por seus pais serem os únicos
armados por algo tão ruim.

Nessa guerra que participo,
enquanto bombas são explodidas
balas atingem outros alvos
gritos são lançados
cartazes são rasgados,
a palavra continua inteira.

Sufocada pelo gás já vencido,
corro e tento enxergar uma saída.

Entrar nessa guerra é a melhor delas.

terça-feira, 11 de junho de 2013

o preço

Ponteiro do relógio enfim rodou
'inda é tempo
serei melhor que sou. 

Arsenal abandonado 
muros rabiscados, grafites inacabados 
avanço um passo
a escuridão é fagulha em mim. 

Continuo caminhando 
meus tênis estão ensopados de um líquido marrom
preciso achar o que me trouxe aqui. 

Tropeço em meus próprios passos 
já não sou o mesmo de trinta anos atrás
vejo campos de sangue 
vida escorrendo de arame farpado
lâminas espalhadas pelo chão
corações pendurados no varal.

Expostos, tabelados 
alguns em promoção 
os corações estão à venda
e eu não consigo escolher
qual inserir em mim. 

Alguns são coloridos 
carregam lembranças, cores, sons
outros são apenas vestígios 
de algo que passou a vida 
como uma bomba de gasolina. 

No canto da sala, vejo algo pulsar
sinto meu corpo falhar
minha garganta fechar
algo não está bem 
eu já não sou mais tão jovem 
pra sofrer assim.

Meu coração não está à venda.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Cubra-se

Eram tantos corpos
e não apenas corpos
corpos comuns, humanos
nus, reais, inteiros. 

Corpos somados na balança
seriam muito mais 
que pedras no caminho. 

Ombros, cicatrizes de paixões 
coisas nunca curadas
peles juntas, carnes brancas
entranhas, juntas, secreções
calos, visão turva, pelos eriçados
unhas que arranham.

Empilhados, 
pareciam tão reais
tão vivos 
como se fossem durar 
uma eternidade.

Eram tão lindos
eles, lá
diante de mim
com tantos órgãos escondidos
mesmo tempo, expostos 
fazendo convites 
lembrando-me de coisas que já aconteceram 
que não podem mais acontecer 
que poderiam ter acontecido.

Não, eu não quero mais, não
saiam de perto de mim, corpos
eu não posso
não
não
eu jurei
não, não
eu não posso
eu 
    não
           posso...
eu, eu
eu, sim.
Eu.

Sou costurada em retalhos. 

domingo, 9 de junho de 2013

Canção pra continuar

Meu amor, olhe o céu
ele é tão lindo
As nuvens nunca são iguais
Os tons de azul sempre a voar

Veja o céu
E, daqui de baixo, faça jus a ele
Sorria, porque ele merece
porque você merece
e porque é preciso.

Não é preciso lembrar dos erros de outrora
O passado nunca nos levará à perfeição
Só olhe pro céu e veja!

As cores
os sons
o ritmo que seu peito assumir

Meu amor, sorria
porque o céu merece...

segunda-feira, 3 de junho de 2013

você já viu um violão rebolar?
ele perguntou
e seus amigos riram como cães

duas da manhã
bares lotados
amanhã tem aula
e quem liga?!
nós somos adolescentes
vivemos pra não ser.

pois é, caras
eu vi um violão rebolar
e pensei ser apenas lombra
mas não era, não
a menina rebolou os quadris
ali, diante de mim
e eu mal podia acreditar.

ela aumentou o som
e nando reis cantava a plenos pulmões
uma canção sobre um cara estranho
e aí eu aprendi a tocar.

muito obrigado, maria regina

Um menino uma vez me disse
disse mesmo, mesmo sem querer dizer
que aos 13 anos ainda dormia
na cama dos seus pais;
e a questão não era essa
o X de tudo isso 
era que ele queria saber 
como dormir sozinho. 

E aí eu peguei um conjunto de giz de cera
uma caneta
um papel
e não escrevi nada
e não desenhei nada
e não falei nada. 

Olhei nos olhos dele
até ele gritar. 

''PORRA!''
ele berrava como se sua vida dependesse daquilo
''VOCÊ AINDA ESTÁ VIVA?''
ele perguntou
e eu falei ''hãn''
e continuei olhando pra ele
por uns quarenta e cinco minutos
até que ele suspirou
e agradeceu. 

E aí o menino foi pra casa
comeu
tentou estudar
foi pro futebol 
tomou um quase banho 
escorregou debaixo de um cobertor. 

No outro dia 
ele sorriu torto pra mim 
e falou que foi muito difícil carregar uma outra cama 
para junto da cama dos pais dele.