terça-feira, 28 de maio de 2013

comedora de pedras

eu olhei pro meu prato de comida
carnes, arroz e feijão
e olhei pros meus braços.

suco de caju.

dos meus pulsos
um mar de veias
do meu gosto
um mar de carnes.

aquelas carnes no prato
aquelas carnes em mim
aquelas carnes que já devorei
das palavras roubadas.

as tuas.
as dele
as dela
e as da amiga da sua vizinha
que também gostou de mim.

as carnes.

o sangue,
as entranhas
aquele gosto de algo
que já foi vivo.

comi carne a vida inteira.

a carne já faz
parte de mim.

o gosto salgado
daquilo que já
nasceu
viveu
e foi morto.

olhei pro meu prato de carne
todos os tipos variados
escolhidos à dedo
pelo fogo
e aí olhei pros meus peitos
pras minhas coxas, bochechas
e boca
e pensei que também tinha carne ali.

eu já estive
eu estou
eu estarei
no prato de alguém.

nós somos as presas.

não há escolha:
estar vivo é atravessar correndo sem olhar pros lados uma avenida muito movimentada.

estamos vendados.

café da manhã

minha carne é quente

seus olhos são derivados
de algo desconhecido.

seus peitos são cheios
de ar
de dor
de desejo.

tudo está bagunçado.

as peles
os pelos
os sentidos
- casa desarrumada.

nos doamos um ao outro.

tudo de carne,
sangue
veia
pele
cabelo
piscar de olho.

você nunca se contenta.

está ok,
pode comer mais um pouquinho.

só por mais 5 minutinhos.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

choro e vela

Levanta dessa cama, vai
Tira essa fronha molhada
o teu travesseiro está úmido
o seu rosto está vermelho.

Levanta daí, vai
Já é tão tarde
Já não temos mais tempo
nosso passado se faz presente.

Não importa o que aconteceu
Levanta daí, vai
faz de conta que foi só mais um pesadelo
nada aconteceu
Eu canto pra você dormir
e aí você vai ouvir a minha voz
e lembrar do seu pai.

Eu vou te balançar na rede
te inventar uma música
e vou desafinar
e você vai continuar molhando
o tecido da rede.

Você vai chorar na minha camiseta
vai tremer inteira sob meu peito
mas vai chorar.

Vai chorar até que tudo seque
e aí
começar de novo.

sábado, 25 de maio de 2013

Estou cansada
minhas asas estão quebradas
meus olhos estão sem cor
e você grita
do chão
para eu saltar.

Estamos há quinze anos
nesta situação
e eu canso.

Ouço uma última promessa:
''Eu vou te segurar!''
e então eu me atiro
num voo livre
de nós dois.

Sinto a bochecha esmagada pelo concreto
e o sangue escorrendo
pelos seus dedos
imóveis.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

carne moída

meus pedaços de pele estão no varal
da sua casa.

você me comeu
três vezes
ontem à noite;
e esqueceu de me avisar.

não tenha tanta vergonha,
se achegue.

que o primeiro se atire
se nunca comeu
um coração.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Eu olhei pro céu e lembrei de você - I

Eu olhei o céu e lembrei de você

e ele estava tão bonito
com aquelas cores desiguais
aqueles planetas escondidos
atrás das estrelas
e a lua me pingando
uma lágrima
no olho.

E você estava tão distante
talvez já além da linha do horizonte
tentando ver o mesmo que eu.

Nos era impossível perceber
que quando íamos perder o rumo
ganharíamos algo que estava muito além
do oceano:
as estrelas.

E quem ligava pras águas?!
Quem ligava pras regras,
pros pecados,
pro inferno?!

Tínhamos nosso céu,
nossa casa,
nossas estrelas.

Podíamos comer as nuvens
e dormir entre uma galáxia e outra
como se todo nosso amor
fosse tão grande
quanto a dor
de um coração despedaçado.

Podíamos comer um ao outro
e nos consumiríamos
e nos liquidaríamos
e nos reconstruiríamos
e construiríamos um ao outro
até que não restasse mais
que alguns pedaços dispersos
de antigas fotografias
em preto e branco.

Eu reergui a cabeça para o céu e lembrei de você
- então eu ri
até desaguar.

domingo, 19 de maio de 2013

Estética

Acordei com mofo na boca
meus lábios ressecados 
e o cérebro ainda mergulhado no sono. 

Cambaleei até o banheiro
abaixei as calças 
e ouvi um barulho de cachoeira. 

Não direi de onde a água vem
porque você deve saber disso 
mesmo que seja muito novo
muito velho
ou talvez um sonho curto demais. 

A questão é que eu deixei a água fluir 
e depois cambaleei até a cozinha 
e tomei um copo d'água
e ela estava muito gelada
e o meu corpo estava febril 
e eu avistei uma faca.

A ponta fina,
o cabo de madeira
tão grande quanto qualquer outra coisa
que possa acabar com alguém
o brilho resplandecente no metal novo. 

Pés descalços 
dedos ensanguentados
e o pensamento de que isso seria 
um final muito feio 
para um poema. 

As crianças fizeram a festa
dentro do ninho:
palhas espalhadas, 
sujeira, 
cascas de antigos ovos. 

Dano-ninho.

Ser poeta x Escrever poemas

Escreverei isso aqui em prosa por dois motivos: a) não quero que se transforme em um poema sobre a poesia e b) não quero que se transforme em poesia falando sobre poema.
Quando comecei a escrever de verdade, logo apareceram mil e um professores, editores e revisores, achando legal o que eu escrevia, alguns rindo, outros apenas admirados por eu não errar uma vírgula sequer etc. etc. E apareceu um, em especial, dizendo que eu escrevia TUDO com ritmo de poesia.
E aí a pirralha aqui começou a escrever poemas.
E fui gostando, principalmente dos haicais.
Avançando uns seis meses, fui ao meu primeiro sarau. Poesia Esporte Clube. Achei irado demais, embora minha dicção fosse péssima e eu não conseguia decorar nenhum poema. Era tudo lido da ''colinha'' nos meus braços.
E eu decidi fazer o meu próprio grupo de poesia, meus próprios saraus etc etc. - que é uma história para outros posts. Mas enfim.
Aí, nos eventos do Iapois (que é o ''meu'' grupo), eu comecei a perceber que tinha uma galera que não falava absolutamente nada, só sentava lá, sorria e prestava atenção. E aplaudia, estalava os dedos e ficava com um brilho nos olhos.
Às vezes, esse fulaninho-com-brilho-nos-olhos nunca tinha escrito um poema antes. Mas, se o desafiassem a fazer um poema, na hora, sem escrever nem nada, ele arrasaria muito. E aí eu saberia que ele é um poeta.
Mas têm os caras, também, que quase não deixam ninguém mais, além deles, falar alguma coisa: Querem ler 20 poemas autorais em um evento de 1 hora, com mais outras 40 pessoas querendo ler, ao menos, um poema curto.
E se esses caras são poetas?! Eles sentam de frente para seus computadores, procuram rimas e escrevem alguma coisa; meia frase abaixo de meia frase, estrofes contadas, rimas medidas. E aí, depois, eles revisam quantas vezes conseguirem. Trocam as rimas, tentam enriquecer o vocabulário, usam palavras extraídas de uns cinco dicionários diferentes. E, depois, levam os poemas, impressos - e às vezes dentro de pastas, papel-cartão e tudo muito bonitinho - aos saraus. E leem o mais rápido que podem, porque querem, o quanto antes, o aplauso dos ouvintes - ou dos tentam manter os olhos fixos no ''poeta''.
Se eles são poetas?!, repito. Eles escrevem poesia.
E o que seria um poeta?! Um poeta é aquele que investe na poesia. É aquele que escreve seus poemas em bordas de jornal, guardanapos sujos e em folhas de árvores. Porque eu já vi isso acontecer. Um poeta é esse que sabe dos seus versos - porque os conhece, e não apenas os decora. Um poeta é esse que quer ouvir a poesia dos outros, que quer usar a sua poesia para mudar o mundo. Um poeta quer o mundo.
Um poeta quer a poesia, na verdade.
O que não é muito diferente de querer o mundo.
Um poeta lê seus versos para que as pessoas fiquem felizes, com brilhos nos olhos, sorriam e se divirtam - não apenas para ganhar prêmios literários, divulgação no jornalzinho local ou para que as pessoas saibam que ele é o autor daquelas palavras, juntas, cheias de significados vazios.
Um poeta quase nunca sabe que um poeta.
E eu quero estar nesse meio entre os discípulos de só-sei-que-nada-sei.


P.S.: Se você se identificou com alguma descrição desse texto, favor não me xingar por aqui, porque esse blog é só amores. Pode enviar sua reclamação para o PROCON.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

O Menor Slam do Mundo

E AÍ! 
Então, hoje não é um poema. 
Hoje são poemas. 
Não entendeu a metáfora mal feita? Vou explicar: pra quem não sabe, o 'slam' é uma competição de poemas. E o Menor Slam do Mundo é, basicamente, uma competição de poemas curtos. 

Foto: Sarah Wollermann

Organizada pelo artista Daniel Minchoni, o Menor Slam vem devastando multidões. 
E como acontece esse campeonato? Você leva, na manga, no mínimo, 3 poemas de 10 segundos. À medida  que você vai declamando seus versos, um júri (formado por algumas pessoas da plateia) dá suas notas - as menores notas do mundo, também: de 0.0 a 6.6 - e, dependendo da sua pontuação, você vai avançando de ''nível'' até ser nada mais nada menos que um campeinho.
E aí, na hora em que é anunciado o campeinho da noite, a plateia, em uníssono, grita o tão esperado: É CAMPEINHO (x1000). E aí o poeta sorri e fica feliz. 
E o que o campeinho ganha? O cinturinho de campeinho, é claro.

É nessa hora que eu dou uma ''rabissaca'' e digo: ''É MEEUU!!''

O Menor sempre acontece lá em São Paulo, mas ontem (14/05/2013), veio, em sua primeira edição, pra Natal. O evento aconteceu dentro da Ação Leitura da editora Jovens Escribas, e foi muuuito bom. 

Cascudinho, meu amor.

Eu fui lá conferir, é claro, e até competi. Tanto competi e tanto sorri que até ganhei.


Na foto: Ruy Rocha, Carlos Fialho e Regina Azevedo (sim, sou eu!)

Como se Minchoni já não achasse o bastante essa história de ler um poema em 10 segundos, ontem tivemos rounds, também, de 3 e de 1 segundo. 
Eu ganhei. 
Mas isso é o de menos - digo, menor -, já que, com o de 1 segundo eu ganhei falando sobre um edifício. Literalmente. 


E como se não bastasse, também, o aperreio de competir nessas três categorias, depois que eu recebi toda a minha premiação (falarei disso depois), qualquer pessoa podia, simplesmente, desafiar a minha honra e me deixar ir parara casa chorando, definhando lentamente, derramando lágrimas pelas calçadas alagadas e escorregadias da Ribeira, etc etc etc.
E você está pensando MESMO que ninguém me desafiou? Pois desafiou. E duas pessoas, logo. Dois poetas digníssimos. Primeiro, eles disputaram entre eles, e quem ganhou disputou comigo.
Como funciona esse desafio?! Você ''tira'' uma letra e tem que começar E TERMINAR um poema com aquilo. Detalhe: 10 segundos. Na hora. Sem nem um segundo pra pensar, porque a ampulheta (digo, o deus Cronos) está correndo. 




E, no final das contas, eu perdi a minha honra. Segurei durante três rodadas, mas, quando me veio um ''V'', eu, abestalhada e feliz que estava, comecei com ''essa vida''. Ou seja.

Minchoni tirando onda: ''Vessa Vida'', haha.

Mas, como eu já havia ganho e tudo o mais, vim pra casa com uma camiseta da Ação Leitura, 12 livros (editora DoBurro e Jovens Escribas) e o meu tão merecido cinturinho. 



Enfim, gente, é MUITO legal. 
Estamos com projetos para trazê-lo pra Natal, então torçam :)
Deixo, abaixo, algumas fotos e algumas informações. 

REGRAS: 
1) Um poema (ou texto) por vez, devendo ser de autoria do poeta (podem ser lidos)
2) Sem acessórios, sem figurino, sem acompanhamento musical.
3) Os poemas devem ter no máximo 10 segundos, com mais 1 segundo de bônus. Após esse tempo a cada 1 segundo excedidos 0,5 ponto é descontado.












terça-feira, 14 de maio de 2013

Bolhas

Ela comprou um peixe
e o chamou de Cachorro
porque queria comprar um cachorro
mas teve que gastar metade do dinheiro
pra comprar os remédios do seus passarinho.

Gostava de ver as coisas presas
porque era assim que se sentia
e queria achar que não era
a única.

O passarinho doente não cantava mais
e o peixe nadava, feliz, em seu aquário espaçoso
e ela entrou no banheiro.

Tirou a roupa
olhou-se no espelho
e tudo parecia cem vezes maior
do que já não era.

Abriu a porta do box
e a chuva fria, lá fora,
entrava pela brecha da janela
e era tão gelada
tão paralisante,
que tocavam a pele da menina
como se fosse fogo.

Ela pensou em todas aquelas pessoas que estavam lá fora
na chuva
tentando embarcar em um ônibus
ou procurando calor em um papelão,
na calçada suja e molhada de uma avenida movimentada;
pensou nas crianças abandonadas em sinais de trânsito,
nos vendedores ambulantes,
e não esqueceu das pessoas embaixo das suas capas de chuva
nem daquelas que tinham seus livros molhados
e das que ganhavam um ''banho'' dos carros.

E aí ela gostou de se sentir presa,
de fazer parte de alguma coisa
de um gráfico
de um número no jornal local
de ser algo
nem que esse algo fosse muito ruim
e quis ser aquilo mesmo.

E aí ela enrolou a coleira do cachorro imaginário no pescoço
e se afogou em um aquário.



sábado, 11 de maio de 2013

A queda

As pessoas fecharam os olhos
quando nossos corpos estavam descendo
metro por metro
até pousarmos nos altos galhos
da floresta.

Aqui é muito alto 
e dá pra ver o céu, 
lá embaixo, 
tão pequeno quanto
qualquer homem. 

As folhas estão secas
os galhos estão ressecados 
e a madeira molhada 
lembra sonhos
em treze por dois.

Meus cabelos estão molhados 
tocam a cintura
e minhas pernas estão pintadas 
de marrom e vermelho; 
você está brilhando
em tons de verde e azul; 

Nossas asas estão doloridas 
e o vento é muito forte;
é difícil enxergar um lugar para
parar.

Nós não temos medo
representamos o amor do mundo inteiro
o sangue que corre nas nossas veias
é tão puro quanto qualquer riacho 
que deságua em um pote de lágrimas

Enchemos o peito de coragem 
damos as mãos
- as asas - 
e sugamos o oxigênio daquele lugar tão limpo; 
sentimos o mundo vacilar 
tudo é apenas escuridão
e nos entregamos 
ao espaço em branco.

O sol bate em nossos rostos ensanguentados 
o vento nos faz ser apenas manchas
e nós caímos livremente 
e não temos nenhuma perspectiva 
do que há -
nós não existimos.

Já não é tão alto
podemos escutar os saltos 
tocando as calçadas 
no planeta azul.

Só mais um pouquinho
ou talvez o mundo inteiro
ou algo do tamanho de um ''pra sempre''
e tudo acabará. 

Não temos tempo de nos encontrar
nada nos faria pensar 
só queremos seguir em frente, 
sempre
e não nos importamos em parecer perdidos 
- dois loucos querendo ser um.

Nós, abstratos 
nos chocamos contra o concreto.

Foi algo surreal:
nós acordamos.


xx
Esse poema foi escrito ao som de 'A Janela', música de FeLL, pela banda SeuZé. Obrigada pela luz. :)

domingo, 5 de maio de 2013

Conversa de fim de tarde

Paralelepípedos desajustados
meu sapato vermelho
o seu tênis sujo de lama
e o trecho daquela música triste

Andávamos naquelas ruas sujas
tua mão na minha cintura
meu braço no teu pescoço
e aquele sol que quase nos deixava
completamente bêbados

Garrafas vazias e quebradas
cacos de vidro
embrulhos de comida
camisinhas usadas
e um saco de poemas
na minha bolsa.

E sua mão continuava ali
e o sol já mudava de lugar
as sombras das casas velhas
dos muros pichados
das calçadas lotadas
jogavam-se por cima de nós dois
como se o mundo inteiro
estivesse desabando
sob nossas cabeças

Nos abraçamos
estávamos suados
você cheirava a florestas
e seus olhos me lembravam a grandeza dos reis
de príncipes, de nobres
e das baratas.

Coisas inconstantes
dessas que estão aqui
mas também podem não estar
ou pior que isso:
- estão sem estar.

Você é meu? 
eu te perguntei
ainda abraçada
entregue à seus braços
e não queria uma resposta.

Demos as mãos
mais uma vez
talvez a última
ou penúltima
ou a primeira, também
e fomos subindo pelo céu
como dois balões de festa infantil
coloridos
cintilantes
e cheios
de algo tão vazio.

O amor
você cochichava no meu ouvido
é essa dor.

E naquele momento
ou não exatamente naquele momento
nos transformamos em dois pássaros
e subimos tão alto
que era impossível lembrar
se já tínhamos morado
em outro lugar.

O ninho cheirava
àquela canção
que ficou lá embaixo
com os mortais.

E eu sussurrei
porque achei que seria o momento exato
e porque poderia ser a última oportunidade:
Você é meu
mas não existe 'eu'. 

E caí
e
   te
       pu
             x
               ei
comigo