quinta-feira, 25 de julho de 2013

desliza os dedos com calma
procura e às vezes não acha
o rio que escorre

tateia e aperta
o zíper das minhas costas
em meio à pele quente

e depois eu tenho vontade de ir embora
largar tudo, vestir tuas calças
nunca mais voltar
porque da última vez em que me confessei
prometi parar de transar com o diabo
mas é seu cheiro de café amargo que
me prende
entontece
rouba meu chão
fecha meus olhos
afina o grito.
 
só tenho 28 anos 
e as minhas pernas já são moles 
minha pele não brilha como antes
já não sou mais fã do nudismo 
nem ando por aí com cara de quem nasce todos os dias.

hoje, morro
amanhã, vivo 
entre isso
amém. 


quarta-feira, 24 de julho de 2013

você me socou com força, beibe.

o seu punho-palavra bateu com força
ainda vejo o roxo na minha bochecha
ainda sinto o vazio machucado
no peito.

esse espaço somos nós?

poema pra um político

não pise nas minhas flores
que elas não têm espinhos.

tire os pés do meu jardim 
que a grama está verde 
e não há tapete vermelho pra você.

nos dê adeus com seus sapatos de grife
porque nós somos da floresta
e você derruba as nossas árvores. 

não pise nas minhas flores
que elas não têm espinhos, 
senhor doutor. 

e as minhas árvores caídas 
ainda abrigam pássaros
que abrigam pessoas
que não gostam de gaiolas como você.

tire os seus pés do meu jardim 
porque aqui as flores crescem 
os pássaros cantam
e as crianças correm nuas. 

sente esse cheiro? 
é cheiro de vida. 
não nos mate com seu olhar.

dê a meia-volta e vá embora
que nesse mato não tem cachorro.

terça-feira, 23 de julho de 2013

sobre mulheres

hoje eu ouvi uma mulher dizer pra filha: se cubra, criatura. desça esse short, vista o casaco. 
piaí.
a menina tem a minha idade. 13 anos. vovó diz: aproveite enquanto os peito tão durinho, sem encostar num umbigo. aproveite, minha fía. que suas coxas ainda têm carne. aproveite, mesmo que um abestalhado pare o carro pra você, assovie, grite sujeiras. e é pra aproveitar mesmo, porque não é fácil. fugindo dos clichês já tão citados: menstruação, depilação, estria, cabelo isso, cabelo aquilo, espinha, cólica, blá blá blá. você acorda e todo mundo espera que você esteja linda: com camiseta, sem camiseta ou com a mais linda roupa - você TEM que estar linda! não adianta, beibe. don't try. tem que sim. e ponto, pronto. bobeou? é feia, é isso, é gorda, é aquilo. e qual é o problema de ser gorda, amigo? se eu ando, vejo, sinto. é tudo carne! é tudo carne, seja branca ou preta. é tudo pele. se tiver ressecada, se for oleosa, se tiver machucada. vai sarar, pode melhorar. do mesmo jeito. não precisa você apontar com o dedo pra todas as imperfeições no rosto de uma mulher. ela sabe. pode ter certeza. mesmo que ela tem problema de vista, ela enxerga. se a menina acordou com o cabelo ruim, e daí? quando ela for te beijar, salvar o mundo ou cantar sua música preferida ela vai cantar com os cabelos? em quê isso vai interferir? 
ser linda é legal. é bom demais. todo mundo gosta, mesmo que não assuma. mas não é o principal. o principal é ser feliz. então me deixem andar sem sutiã. o que é que tem? peito. é o que tem. vocês gostam, num gostam? de peito. sim, gostam. então pronto. não se importe. no dia que a menina quiser andar com um sutiã aparecendo, deixe. e aí? ela gosta. do mesmo jeito com seu amigo, namorado, primo, pai, avô. deixa ele andar com aquele calção velho e aquela sandália de dedo. tudo vai embora, né? tudo vai sair do seu corpo, tudo vai ficar branquinho ou pretinho. e puro. do jeito que é.
pra reforçar: ande como quiser. se não gosta de pelo, tire ou cubra. faça o que você quiser com eles. pinte, camufle. gosta da suas costas? mostre! não gosta dos seus pés? pense bem: minha avó tá numa cadeira de rodas, com as veias dos pés pulando pra fora, olhando pra mim e dizendo: minha fía, ande. 
enquanto pode. 
porque hoje eles te roubam algumas lágrimas ou a auto-estima, mas amanhã você pode não ter mais nada pra ser roubado.

MARIA DA PENHA

come e pisa
come e pisa
porque sabe que formiga também tem carne.

passa a vida
come pisa come pisa
faz dela um bagaço
formiga quebrada também tem carne
come
é carne da boa
come pisa
já cansa
pisa pisa
come e pisa
come e pisa
pisa
e depois quer comer de novo.

pra comer bagaço cê vai com a mão.

come que eu piso
come come
piso piso
come piso
piso enquanto come.

pra comer bagaço cê vai com a mão.

come pisa.
come pisa.
come pisa.

o prato racha
o esqueleto cede
e a formiga continua lá.

as carnes no piso...

domingo, 21 de julho de 2013

mendigo

o mendigo é a rua
por isso eu ando chorando pela cidade
derramando sangue, espalhando suor.

ele está em todos os cantos
é o sol que nasce antes que eu acorde
areia entre os dedos além do engarrafamento 
o cimento, o concreto, as noites frias.

debaixo do papelão 
encostado no meio fio
ou no meio da praça 
ele é os olhos do mundo todo.

o mendigo é tudo o que uma cidade é.

o mendigo guarda as ruínas de tudo 
que querem que esqueçam.

a fome, 
a sede, 
a injustiça, 
a tristeza, 
a forma do sorriso já esquecida.

o mendigo é tudo o que uma cidade é.

e tudo chove
tudo é cinza, preto, escuro
sangra, arde, coça, adoece, treme, corta
perfura
escorre
cai.

o mendigo é tudo o que a cidade é. 

por isso eu ando por aí desenhando em cada canto
e grafitando cada muro 
como se fosse um sorriso
que ele ainda não tem.

abrace uma cidade. 

o mendigo é tudo o que a cidade é.

terça-feira, 16 de julho de 2013

bis

porque você me come crua
e não tá nem aí pro cardápio
limpa o meu lápis escorrido
e pede mais.

pede mais porque as luzes não são apenas luzes
- e por isso não precisam estar acesas -
os sapatos não são apenas sapatos
as minhas pernas que de tão suas
tão pouco são minhas
e o batom borrado se mostra
nos cantos
enquanto as pessoas se enfileiram em escadas
e andam
e correm
e roubam
e não pensam.

agora não penso no futuro
a luz vai escasseando
a saliva escorre
tudo que não é meu no chão
enquanto me afogo em você
nos seus braços 12 vezes maior que eu
porque esse espaço, beibe
é ainda melhor quando vazio.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

acaso me quiseres

a foto borrada não capturou. não conseguiu, até desistiu, nem tentou. nunca que conseguiria.
  *
aquele momento lindo. a luz perfeita, um dia com cheiro de madeira fresca, floresta depois de chuva de verão. ele estava montado em seu cavalo preferido, a jaqueta amarela, a terra molhada. as árvores lá atrás, de apoio.
há mil quilômetros, ela dormia. dormia no escuro, na esperança de acordar sem nenhum arranhão nas costas, com as pernas já bem depiladas e prontas pra sair. queria acordar vestida, arrumada, os cabelos penteados. perfume francês nos couros, carne mais ou menos coberta. o brilho perfeito, o contorno da boca feito e os olhos acesos. dormia. dormia porque foi dormir não mais querendo acordar. dormia, suspirava baixinho, respirava tão lentamente que o peito quase não subia. a camisola rasgada, porque não teve tempo nem dinheiro pra comprar uma nova, dessas bonitinhas, de renda vermelha ou branca.
ele corria. corria porque gostava de sentir o vento bater no rosto, que era gostoso, que era bom demais. era lindo. lindo de se ver. se alguém o visse, não conseguia desviar o olhar. a barba era tão bonita, os olhos brilhosos, as bochechas rosadas da praia. corria. corria porque tudo melhorava quando ele lutava contra o vento, era como se atravessasse fronteiras, enganasse o tempo. corria até não poder mais, porque queria correr correr e correr além; não queria ver fim nem tampouco saber onde começou. só correr... e correr...
e ela acordou; e ele cansou de correr.
ela levantou da cama, ficou nua em pêlo contra a cortina mais ou menos transparente do seu quarto. os arranhões estavam mais ou menos cicatrizados. ''as costas machucadas revelam suas raízes'', ela pensava, tentando convencer a si mesma de que aquilo não atrapalharia em nada. correu pra baixo do chuveiro, com um gosto amargo de mofo na boca. o que tinha comido no almoço, pelo amor de deus? castanha do pará apodrecida, resto de coração de galinha - cru, cru. por certo, só pode ser, é a única explicação. sim, sim, deve ter sido isso. entrou debaixo do chuveiro, sentiu o primeiro jato frio, depois o morno. observou enquanto a água escorria sob o seus braços, franziu o cenho quando os pingos atingiram os arranhões nas costas. depilou as pernas e só se cortou três vezes. estava melhorando nisso, pois sim. três filetes de sangue escorreram. por uma fração de piscar de olho, o que desceu pro ralo tornou-se vermelho. esfregou os cabelos, deixou tudo descer, escorrer, ir embora. tentou renovar as esperanças. fechou os olhos com força e viu o nada. a escuridão. o preto tão preto que chega a ser branco. abriu-os novamente. ainda estava dentro do banheiro, o box com cheiro de sabonete. escorregava ali, sentiu o seio endurecer, uma rajada de vento entrando pela porta do banheiro.
ele cansou. o suor escorregava por toda a sua camisa, pela jaqueta, tentava grudar a calça no corpo. entregou o cavalo ao tratador, deu uns tapinhas e jogou-lhe umas cenouras. entrou no seu carro novinho em folha e deu a partida.
pronta, prontíssima. fez uma lista mental: banho. pernas. perfume. casaco de couro. saia vermelha. saltos. beber água. chaves. rua. tudo ok. escovou os dentes, retocou o batom e saiu. as chaves, a porta pichada, caindo aos pedaços. dentro do ônibus, enquanto as pessoas viviam em suas próprias mentes, ela pensou no que faria se tivesse uma casa só dela, um salário fixo, uma família. queria flores na janela, e sempre as regaria muito bem. só. e um sorriso verdadeiro.
fim da linha.
ela desceu do ônibus, ajeitou a saia e foi pra sua esquina.
ele xingou o sinal, que tanto demorava a abrir, e decidiu parar e tomar uma água de coco.
em pé, pensou que o salto estava começando a apertar os seus dedos, e que os dedos estavam pintados de verde-esmeralda, e que tomara que o batom não borre, não saia, não perca o gosto de framboesa.
sentado na mesinha de madeira do bar, olhou pro anel molhado pela água de coco. suspirou. que ondas. olhou longe. opa. tirou seu iPhone do bolso, tocou na tela e fotografou a moça ali parada, que também olhava o mar.
**
e aí, na tela do celular dele, ela não sorria. 
e ela nem sabia que ele existia. 
mas os passos estavam quase lá, quase lá, quase lá. 

***
ela poderia jurar que ele falou em flores essas que apodrecem sobre o seu ventre. 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

vômito 1

eu quero fugir do óbvio eu preciso fugir de tudo isso eu quero cair na estrada e nunca mais ter que usar uma pontuação só continuar andando andando andando e as pessoas à minha volta como brilho coisa de estrada perdendo o fôlego pouco a pouco enquanto um rapper com o nome de uma nação nos faz suar e ele também sua muito sua música faz o meu corpo todo se mexer eu não vou perder o fôlego essa é a minha vez essa é a minha vez agora vai dar tudo certo vai dar vai dar eu preciso eu vou ganhar eu vou chegar lá eu já não aguento mais parar tudo isso me é tão bom isso de vomitar as palavras sem usar mais nada além só ver as palavras correndo derramadas na tela do computador e o texto vai crescendo crescendo crescendo e aí você também presta atenção em como as teclas do teclado preto ficam macias e macias e os seus dedos às vezes nem cansam só quando precisam voltar atrás olhar pra trás andar pra trás e corrigir coisas erradas ou certas mas que deveriam ou não estar aqui ou lá e enquanto isso o rapper ainda não parou de cantar e balançar as mãos e chamar a multidão à loucura e meus ombros estão pingando de suor os pelos do meu braço são loiros e às vezes mais escuros e isso não importa tanto as minhas unhas garras são brancas roxas e ainda bem que não amareladas tem um machucado porque eu não paro de escrever, porra, cê me entende e aí foi a primeira vírgula e eu não vou perder o fluxo eu vou ganhar eu vou ganhar JEEESSSSSSSUSSSSSSSSSS eu vou gaaaaaanhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

não pertube

chorando
estou presa em um banheiro de restaurante
engoli a chave.

as coisas pulam para fora de mim
entram em mim
sem pedir com licença

vão e voltam
sem cerimônia
enquanto me afogo
nesse piso branco.

a chave me abre novos pensamentos,
portas e pernas.

dura,
a cena fecha.

see you later

escrevo num guardanapo sujo
de manteiga
porque estou imunda
como um mar poluído por saliva
humana.

escrevo num guardanapo sujo
de queijo
porque as palavras me entalam
enquanto seu leite sobre mim.

escrevo um guardanapo sujo
cor de tapioca fria
porque não achei nada além
nesse cardápio lotado
de calorias.

escrevo num guardanapo sujo de sangue
enquanto olho pro espelho
minhas costelas escrevem atestados
ninguém desconfia
seca no sertão.

escrevo num guardanapo
dobrado
porque o sangue precisa ser
estancado
e você dilúvio em mim
rio vermelho.

paredes cor de tapete real
escrevo
mesmo que agora não vejo
sequer sombra
de guardanapo.

os guardanapos escrevem:
adiós, bye-bye.