terça-feira, 14 de maio de 2013

Bolhas

Ela comprou um peixe
e o chamou de Cachorro
porque queria comprar um cachorro
mas teve que gastar metade do dinheiro
pra comprar os remédios do seus passarinho.

Gostava de ver as coisas presas
porque era assim que se sentia
e queria achar que não era
a única.

O passarinho doente não cantava mais
e o peixe nadava, feliz, em seu aquário espaçoso
e ela entrou no banheiro.

Tirou a roupa
olhou-se no espelho
e tudo parecia cem vezes maior
do que já não era.

Abriu a porta do box
e a chuva fria, lá fora,
entrava pela brecha da janela
e era tão gelada
tão paralisante,
que tocavam a pele da menina
como se fosse fogo.

Ela pensou em todas aquelas pessoas que estavam lá fora
na chuva
tentando embarcar em um ônibus
ou procurando calor em um papelão,
na calçada suja e molhada de uma avenida movimentada;
pensou nas crianças abandonadas em sinais de trânsito,
nos vendedores ambulantes,
e não esqueceu das pessoas embaixo das suas capas de chuva
nem daquelas que tinham seus livros molhados
e das que ganhavam um ''banho'' dos carros.

E aí ela gostou de se sentir presa,
de fazer parte de alguma coisa
de um gráfico
de um número no jornal local
de ser algo
nem que esse algo fosse muito ruim
e quis ser aquilo mesmo.

E aí ela enrolou a coleira do cachorro imaginário no pescoço
e se afogou em um aquário.



2 comentários:

Thiago Peixoto disse...

Li três vezes seguidas e ainda to boquiaberto, incrível esse poema, adorei!

Regina Azevedo disse...

Antes boquiaberto que enforcado, né?! Hahaha muito obrigada! :))