terça-feira, 5 de março de 2013

pequenez do fim


Nunca fui de contas
mas, ao ver a serpente
de repente
só números
me vieram
à mente

Pensei daqui a quantos dias
flores repousariam 
sob meu ventre;
e em quantos minutos 
minha pele ficaria roxa 
e meus ossos,
enfim, 
atravessariam a carne; 
pensei em quantas pessoas
cruzariam a cidade inteira 
só pra me ver 
morta
pela última vez

Cerrei os olhos
meu destino era concreto 
e o mundo ficou incerto 
como um ecocardiograma 
com interferência 
de uma paixão

O meu pulmão
pareceu inchar 
eu suava frio 
e o calor do meu corpo 
se esvaiu

Gritei 
e o mais alto que consegui
foi atingir a ti 
e dizer que sofri 
- e ''não hei de ser a última''

Quando abri os olhos outra vez 
você segurava minha mão
e nós estávamos em um quarto branco
limpo, gélido 
e eu chorava 
como se o mundo fosse acabar 
mas eu nem percebia 
que o meu universo
estava ali, na minha frente, 
chorando comigo.

Meus batimentos cardíacos 
em descompasso 
fizeram meu corpo 
parecer de aço 
e minhas clavículas 
atravessaram a pele
- pela última vez.

Naqueles últimos minutos
injetaram sangue e soro
pra dentro de mim, 
e tudo que eu queria
era um pouco de saliva
- pela última vez.

Quando eu estava quase morta
- de novo -, 
vi os médicos
balançaram as cabeças 
por trás das cortinas do quarto
- pela última vez

Não havia mais nada 
que alguém ou ninguém
no Céu ou na Terra 
pudesse fazer por mim,
então, 
do princípio ao fim,
fomos só nós dois. 

Você me olhou
como quem já sabia
o que eu iria 
te pedir

Soluçando e entre mil lágrimas 
você abriu os lábios
e cantou para eu dormir
- pela última vez. 

As notas daquela música 
ficaram flutuando pelo quarto, 
grudando-se aos azulejos 
e tornando-se ar 
para eu respirar.

Não era minha música preferida
e tampouco a sua 
mas era uma música
de um menino desesperado
que pedia ajuda
que implorava que alguém cantasse pra ele
e era algo
muito lindo
de ser.

E eu te olhei nos olhos
- e pela última vez -
minha alma quase se esvaiu.

O Infinito foi para além
do seu olhar
- pela primeira vez -

E eu ali, parada,
deitada  
e sendo velada 
por grandes olhos castanhos.
inundados de lágrimas
uma completa impotente
morri
- pela última vez -

E foi a primeira vez 
que você não achou nada
cedo demais.

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